Começamos hoje o tempo da quaresma, cujo sentido principal é a preparação para a Páscoa. A quaresma é tempo de conversão como acentuam as leituras que acabamos de escutar  e também o rito da imposição das cinzas sobre nossas cabeças.

Na primeira leitura o profeta Joel nos convida  a pedir perdão e a voltar para Deus, porque Ele é “benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia e inclinado a perdoar o castigo".

O evangelho de hoje, proclamado  todos os anos, nos apresenta  três meios que nos ajudam no processo de revisão de vida e de conversão durante  o período da quaresma: a esmola, a oração e o jejum.

A esmola não consiste apenas em fazer algum donativo ao pobre ou a uma instituição de caridade, mas em revisar nossas relações com as pessoas que estão próximas de nós: na família, no bairro, no trabalho e também  com os mais necessitados. Cultivamos   o perdão, a partilha, a abertura aos outros?!

É necessário avaliar também nossa oração, isto é, nossa relação autêntica com Deus. O importante na oração não são as muitas palavras que dirigimos a Deus, mas a relação de amor e de fé, a relação filial que estabelecemos com Deus nosso Pai. A oração é, sobretudo, um momento de escuta do que Deus quer nos falar, a nós, seus filhos.

O jejum que o evangelho de hoje nos propõe é uma conversão a uma vida mais sóbria, mais austera, mais simples, evitando todo supérfluo, esbanjamento, desperdício. É um exercício de domínio dos nossos desejos.

A Campanha da Fraternidade deste ano: Fraternidade e Tráfico Humano,  com o lema: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” nos apresenta uma forma concreta de viver, nesse período, o espírito de conversão.

O problema do tráfico humano é muito antigo, como nos atesta a história. A bíblia nos conta, por exemplo, o exílio do povo da Antiga Aliança para a Assíria e para a Babilônia. O povo de Israel foi levado para outro país na condição de escravo. Mas apenas recentemente a comunidade internacional começou a agir de forma sistemática para combater esta chaga social que fere violentamente a dignidade humana e, se para os traficantes traz lucro, para as vítimas só traz sofrimento, dor e morte.

O tráfico humano sequestra ou alicia pessoas para usá-las em vista de quatro fontes de lucro. A primeira é a exploração sexual e esta atinge principalmente as mulheres, inclusive,  as menores de idade para a exploração sexual infanto-juvenil e a pedofilia; a segunda é a exploração do trabalho escravo que atinge principalmente os homens, mas também lança mão de crianças e adolescentes para o trabalho infantil; a terceira é o tráfico de órgãos para transplantes, que pode acontecer pela compra a baixo custo por sequestros e até mesmo por assassinatos; a quarta é a adoção ilegal de crianças, geralmente roubada de seus pais e levadas para outros países.

A Igreja Católica e a sociedade, em geral, não podem  ficar indiferentes a esta situação de escravidão que atinge milhões de pessoas em todo o planeta.

A nossa conversão pessoal deve despertar em nós a consciência deste problema tão grave e a conhecermos melhor essa questão para ajudar tanto na prevenção do tráfico humano como no resgate de suas vítimas. A nossa conversão social deve levar em consideração os problemas do nosso meio, como o desemprego,  a fome, a  miséria que são exploradas pelos traficantes. A nossa conversão eclesial deve nos levar a apoiar e a participar das iniciativas pastorais da Igreja no Brasil, nesta área.

Ao receber as cinzas, reconheçamos nossa fragilidade e condição de pecadores e disponhamo-nos a caminhar no período da quaresma, abertos a misericórdia de Deus e dispostos à conversão para passarmos do pecado à vida da graça,  da morte à ressurreição e nos prepararmos assim para celebrar, com alegria,  a Páscoa de Cristo e a nossa páscoa.

Dom Raymundo Cardeal Damasceno Assis
Arcebispo de  Aparecida