Iniciamos, nesta noite, com esta missa vespertina da Ceia do Senhor o Tríduo pascal: a celebração da morte e da ressurreição do Senhor. Somos convidados a acompanhar Jesus nos momentos derradeiros de sua vida terrena e “revestir-nos dos mesmos sentimentos de Cristo” ao reviver os mistérios centrais de nossa fé.

No centro da celebração da Quinta-Feira Santa, está o testamento de Jesus, suas últimas vontades: a instituição da Eucaristia e do sacerdócio ministerial e o novo mandamento do amor que Jesus deu aos seus discípulos.

São João, o autor  do quarto evangelho, não narra a instituição da Eucaristia, provavelmente, porque os outros três evangelhos e São Paulo já o haviam feito, anteriormente,  e, além do mais, quando João escreveu o seu evangelho no final do primeiro século, a celebração da eucaristia já era corrente nas comunidades cristãs.

Sabemos pelos evangelhos sinóticos e pela primeira carta de Paulo aos coríntios que escutamos há pouco que, na noite, antes de sua Paixão, Jesus instituiu a Eucaristia. “O Senhor Jesus tomou o pão e depois de dar graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória”. Depois da ceia, tomou o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança em meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em minha memória”.

Jesus instituiu a Eucaristia, que é o sacramento, o memorial perpétuo das maravilhas de Deus realizadas por seu Filho Jesus. Jesus dá um sentido totalmente novo a páscoa judaica que ele celebrou com os seus discípulos, na noite, antes de ser entregue. A Páscoa  judaica, como escutamos na primeira leitura do livro do Exodo, é o memorial, isto é, a atualização da libertação do povo de Israel da escravidão do Egito.

Na ceia, Jesus antecipa nos sinais do pão e do vinho o seu sacrifício e a entrega que ele fará no dia seguinte. O pão e o vinho são um sinal real e eficaz de Jesus que se entrega à morte para a salvação de todos num ato extremo de amor e de solidariedade para com a humanidade. É a nova e eterna aliança de Deus com a humanidade, selada no seu sangue.

Por duas vezes, Paulo cita as palavras de Jesus: “Fazei isto em memória de mim”.  Jesus ordena, portanto, aos seus discípulos, constituindo-os sacerdotes do Novo Testamento e àqueles que na Igreja  participariam ministerialmente do seu sacerdócio pela ordenação, que repetissem essas suas palavras, esse seu gesto de geração em geração, até a sua volta.

Agradeçamos a Jesus a instituição da Eucaristia, memorial, atualização do sacrifício da cruz, presença salvífica de Jesus em nosso meio, alimento espiritual e garantia de vida eterna. Rezemos pelos nossos sacerdotes e pelas vocações sacerdotais para que não nos falte santos, qualificados e numerosos  ministros para anunciar a Palavra de Deus, administrar os sacramentos e servir o povo de Deus.

No lugar da instituição da Eucaristia, São João narra a cena do Lava-pés que condensa toda a vida de Jesus que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.”

Durante a ceia com seus discípulos, “Jesus levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido. Retorna à mesa e diz: “Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz”. 

É interessante observar que Jesus lavou os pés dos discípulos durante a refeição e não no começo, como deveria ser, caso se tratasse apenas de um gesto de hospitalidade! O Lava-pés está situado no coração da ceia eucarística, o que quer dizer que a Eucaristia encerra no seu centro o Lava-pés. O sacramento da Eucaristia alimenta toda a Igreja a fim de que ela viva totalmente seu compromisso humilde a serviço da pessoa humana.

Participar da Eucaristia, comungar o corpo e o sangue de Cristo, é, portanto,  comprometer-se a fazer da própria vida uma entrega fraterna e solidária aos nossos irmãos, especialmente, aos mais necessitados, os enfermos, os pobres, as pessoas com deficiência, os anciãos, as crianças.

A CF deste ano: Fraternidade: Igreja e Sociedade, com o lema: “Eu vim para servir”, recorda-nos que uma forma de exercer a caridade para com o outro é fazer de nossa vida, a exemplo de Cristo, um serviço ao outro, é amar o outro como ele nos amou, pois “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo, dos pobres e de todos os que sofrem, são também, as alegrias e as esperanças, as tristezas e angústias dos discípulos de Cristo” (GS 1)

“Ser discípulo de Jesus é ser servidor como Jesus, que veio não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para a salvação de muitos.”

Dom Raymundo Cardeal Damasceno Assis
Arcebispo Metropolitano de Aparecida