SANTUÁRIO NACIONAL DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA

A paixão de Jesus que celebramos,  nesta sexta-feira Santa nos deve fazer viver a manifestação do amor, da misericórdia de Deus por todos nós.

Hoje e amanhã não se celebra a eucaristia. São dias de recolhimento, meditação, agradecimento, contemplação de Jesus morto na cruz, enquanto aguardamos a celebração da ressurreição na noite da Páscoa. Podemos, porém, nesta celebração,  comungar do Corpo do Senhor entregue por nós. Na comunhão eucarística Jesus nos dá o pão como prolongamento de sua vida.  Ao comungar o seu corpo, Jesus se transforma em nós.

O centro da celebração de hoje é a cruz de Cristo, símbolo e ponto culminante do amor de Cristo por nós. Ao entrar com a cruz, no Santuário, o Diácono nos convidará a  olhar para a cruz e rezar: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo.” “Vinde, adoremos.”

É por isso que nós iremos adorar a Cruz, símbolo da nossa salvação.  A cor litúrgica é o vermelho, cor do sangue de Jesus, derramado, livremente, e por amor, por toda a humanidade.

As leituras que escutamos há pouco e a adoração da cruz que faremos, em seguida, nos convidam  a contemplar, silenciosamente, emocionados e agradecidos, Jesus pregado na cruz para nos libertar do pecado e nos reconciliar com Deus.  A Igreja não se compraz em exaltar o sofrimento, a dor. É o amor absoluto de um Deus feito homem que nós contemplamos sobre a cruz. É diante do amor infinito de Deus para conosco manifestado em Jesus Cristo,  que nós nos inclinamos, nos ajoelhamos.

Numa sociedade tão agitada e dispersa, tão individualista e egoísta, tão cheia de si, a Igreja nos convida, particularmente, neste dia, a valorizar o silêncio, e a contemplar o Cristo pregado na cruz, imagem de um homem, não de um homem qualquer, mas do Filho de Deus, que entregou sua vida por nós.

Ao tornar-se homem, Jesus, o Filho de Deus, aceitou até as últimas consequências o que faz  parte de nossa vida humana, a fim de que nossa humanidade, em sua totalidade, fosse  salva por Ele.

Jesus aceitou a injustiça de seu processo, a rejeição de grande parte do seu povo, o abandono dos seus discípulos e a morte, para que todas as situações  atingidas pelo mal, pelo pecado, fossem transformadas: o homem é então libertado do poder da morte. Cristo carregou sobre si e carrega,  ainda hoje, todas as formas de sofrimento humano, evocadas pelo profeta Isaias ao descrever o retrato do servo fiel: “nem tinha beleza, nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse; homem coberto de dores, cheio de sofrimentos; era tão desprezível que não faziam caso dele. Foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes; a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas o preço de nossa cura” (Is 52,5).

O autor da Carta aos Hebreus nos diz que este Servo anunciado por Isaías é Jesus Cristo e nos descreve  também a sua dor e o fracasso de sua morte com palavras que os evangelistas não haviam utilizado. “Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido por causa de sua entrega a Deus”  (Hb 5,7).

A narração da Paixão que neste dia é sempre a do evangelho de João nos mostra que Jesus sofreu não só por nós, mas conosco e muito mais do que nós. Salvou-nos não permanecendo  nas alturas, mas assumindo toda a nossa dor. “E por nós homens, e para a nossa salvação, desceu dos céus. Por nós foi crucificado, padeceu e foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia.” A paixão é apresentada por João como a hora de Jesus, o momento para o qual se dirige toda sua existência.   A presença de Maria  e do discípulo amado, na narração de João, completa a identidade da comunidade cristã: a Igreja nasce da cruz e se alimenta  dos sacramentos do batismo e da Eucaristia, simbolizados no sangue e na cruz, jorrados do lado de Jesus e tem Maria como mãe.

Na cruz de Cristo está presente toda a dor da humanidade, a nossa dor. A paixão de Cristo se prolonga na solidão dos idosos e na violência contra eles; nas vítimas da violência que se manifesta de tantas formas na nossa sociedade; nas vítimas  da injustiça social; nos que sofrem discriminação;  nas crianças e adolescentes vítimas da violência, do trabalho escravo ou de abusos sexuais; nos mendigos e povo de rua; nos desempregados; nos encarcerados submetidos a condições desumanas de vida.

A morte de Jesus não foi fruto do azar, nem foi procurada por ele, nem querida pelo Pai. A sua morte foi fruto da sua fidelidade à vontade do Pai e da rejeição de sua pessoa e de sua mensagem.  Pertence ao mistério de Deus, como o explica São Pedro aos judeus de Jerusalém, no dia de Pentecostes: “Jesus de Nazaré, entregue segundo o plano previsto por Deus, vós o crucificastes pela mão de gente sem lei, e o matastes” (At 2,23).

Ao entregar seu Filho por nossos pecados, Deus manifesta que seu desígnio sobre nós é um desígnio de amor benevolente que precede todo mérito de nossa parte: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas ele nos amou e enviou seu Filho para expiar nossos pecados” (I Jo 4,10). “A prova de que Deus nos ama é que sendo ainda pecadores,  Cristo morreu por nós” (Rm 5,8).

Ao contemplar Jesus cravado na cruz, devemos contemplar não só o seu sofrimento, mas a sua prolongação na humanidade e na nossa própria vida, mas sempre dentro da perspectiva pascal, do duplo movimento de morte e vida. A cruz foi a condição pela qual Jesus nos mostrou o seu amor e é caminho para nos unir a Ele e chegar a plenitude da vida.

A Sexta-Feira Santa aponta para a Vigília da noite de Sábado e para o Domingo da Ressurreição. A última palavra, tanto na vida terrena de Jesus, como na nossa, não é a dor nem a morte, mas a vida, a felicidade plena em Deus. O Cristo que contemplamos hoje pregado na cruz é o mesmo Cristo que celebraremos amanhã, na vigília pascal, ressuscitado dentre os mortos.

Diante da cruz de Jesus, agradeçamos-lhe o seu amor. Peçamos-lhe perdão de nossos pecados. Digamos que cremos Nele, que O amamos muito, que queremos segui-Lo até o fim de nossa vida, mesmo quando tivermos de carregar a cruz, que é inevitável, e que queremos fazer de  nossa vida, à semelhança de Jesus, uma entrega, um serviço aos outros.

Neste Ano Santo da Misericórdia, a Sexta-Feira Santa tem um papel importante como expressão máxima de misericórdia entranhável de Deus.  Uma misericórdia que se mostra ao entregar a Mãe de Jesus a todos nós, como nossa mãe. Uma misericórdia que se manifesta dando sua vida por todos nós, até a última gota do seu coração traspassado pela lança. Tenhamos em nossa casa a imagem do crucifixo e não nos envergonhemos de levá-lo conosco  para que nunca nos esqueçamos desta expressão máxima do amor para comigo e para com toda a humanidade.

Dom Raymundo  Cardeal Damasceno Assis
Arcebispo Metropolitano de Aparecida