Dom Orlando Brandes

 

A onipresença da corrupção, até agora muito velada, começa a ser aos poucos desvelada. Conhecemos só a ponta do iceberg. Quando as investigações chegarem nos bancos, nos portos e aeroportos, nas religiões e no narcotráfico, na polícia e nos governos, no esporte e no comércio, no agronegócio e nas industrias, nas diversas organizações econômicas, sociais e políticas, haveremos de nos convencer  da atualidade do sétimo mandamento: Não roubar.

 

Cada um de nós sabe por experiência como somos desonestos, mentirosos, interesseiros em relação ao dinheiro. A natureza humana nasce corrompida. Sem a educação moral, sem a fé, sem a graça de Deus a tendência à corrupção não é curada. Pior ainda, ela é amparada por outra perversidade que é a mentira. Entre nós brasileiros a corrupção tornou-se “cultura do jeitinho”, do levar vantagem em tudo.  Mentir  e roubar é como um casamento indissolúvel.

 

Sabemos que a corrupção é uma das “piores deformações” do ser humano e da sociedade. A Reforma Política proposta pela “Coalizão de Entidades" entre elas a CNBB,  quer coibir o financiamento das empresas a candidatos às eleições. É um basta à corrupção na política. Do contrário, continuaremos com a política do jeito, do favor, da ocultação, da politicagem. O povo, saturado, enojado e indignado com tanta corrupção foi para as ruas dizer um basta. Será que foi ouvido?

 

As consequências da corrupção são inúmeras causando prejuízos e morte. As áreas mais afetadas são: o saneamento básico, o emprego, a educação, a saúde, as desigualdades sociais, as políticas publicas, o tráfico de pessoas, a ilegalidade, a impunidade, o crime organizado. Tem razão o Papa Francisco ao dizer a corrupção é uma porcaria, uma sujeira, lama pura, vergonha e escândalo.

 

Carecemos de desenvolvimento ético, espiritual, humanitário. Em pleno século 21 ainda somos analfabetos e incivilizados no que diz respeito à transparência, à verdade, aos valores humanos e morais. Rejeitando a oferta e a sabedoria do reino de Deus, preferimos construir um mundo sem Deus. O que aconteceu foi a criação de um mundo contra o homem,  a vida, o cosmos. No lugar da conversão, preferimos a aversão,  a diversão, a subversão, a corrupção.

 

Somos interpelados a reverter o que está invertido. As potencialidades do bem, a força do amor, a iluminação da fé, a honestidade intelectual, são mais fortes que o império do mal. Façamos como o garimpeiro que no meio da lama encontra ouro e pérolas. Não podemos deixar de ser devotos da vida e da dignidade humana. Um mundo novo é possível e o desejo de ser bom e melhor, mora no fundo de cada coração. Há lá no fundo uma luz.

 

Os cristãos acreditam na recuperação das pessoas, no poder da ternura, da misericórdia. Sobretudo acreditam na justiça, no amor, na liberdade e na verdade como pilares da sociedade. Cremos na invencibilidade do bem e no poder do bom senso, da retidão, da compaixão como meios de mudança social. O cristão é portador do reino de Deus, da Doutrina Social da Igreja sob a luz do Evangelho. Os valores da Teologia, da Libertação, da opção pelos pobres, da profecia não desapareceram  mas precisam ser reabilitados. A volta do conservadorismo é assustadora. O pontificado de Papa Francisco tornou-se um sinal dos tempos para a contribuição de um mundo melhor e a superação de toda espécie da corrupção.

 

O sociólogo Sergio Cotta, escreve que todas as revoluções da humanidade estão em busca da inocência perdida no jardim do Paraíso. Há um desejo de transparência, coerência, purificação do coração na humanidade. Lembremo-nos de Jesus Cristo, dos nossos santos e santas, de Gandhi, de Martin Luther  King, de Teresa de Calcutá, de Mandela, de Dom Helder, Dom Luciano e grandes pontífices: São João XXIII, São João Paulo II, Beato Paulo VI. Todos eles foram profetas que denunciaram a corrupção.  Jesus expulsou os vendilhões do templo com ira profética, assim devem fazer seus discípulos.

 

A fome de dinheiro é o supremo afrodisíaco, afirma um grande estadista. O povo costuma dizer: “o dinheiro compra tudo”. Como seria bom lembrar que quando formos sepultados “o caixão não tem gaveta”. Sim, a divinização do dinheiro que é a atualização da idolatria do “bezerro de ouro”, clama pela indignação ética e pela observância dos Dez Mandamentos. A  exemplo do profeta Moisés é preciso destruir o ídolo perverso, que é a corrupção. Falta-nos a educação para a justiça e a espiritualidade da pobreza evangélica, da partilha e da sobriedade. Corrupção nunca mais. Ah, se procurássemos a Deus como procuramos o dinheiro a sociedade seria bem melhor. Vida sim, corrupção não.

 

Dom Orlando Brandes

Arcebispo de Aparecida