Inspiro-me num escrito do Cardeal Martini, Arcebispo Emérito de Milão (Itália), onde ele fala da paixão de Cristo como “um mistério de excessos”. Diria um mistério de exageros, extremismos, radicalismos. São cinco os excessos descritos pelo referido autor.


Primeiro: um excesso de sofrimento humano. Os sofrimentos de Jesus foram de diversos tipos: físico, psicológico, espiritual e moral. Experimentou a solidão, a rejeição, a tribulação. Ele é o pastor ferido que fez a experiência do medo, do abismo e do nada. A maré imunda do pecado penetra a alma de Jesus. Sofreu sob o poder da mentira, da soberba, da astúcia e da atrocidade. Treme, tem suor de sangue, porque sente pavor e angustia. Reza entre brado e lágrimas. Na sua paixão Jesus se lembrou de cada um de nós, por nós sofreu e se entregou. “Ele me amou e se entregou por mim” escreve o Apóstolo Paulo. “Na sua paixão Jesus lembrou-se de mim” (B. Pascal).


Segundo: um excesso de maldade humana. Jesus passou por interrogatórios ilegítimos, falsos. Foi preso, algemado, torturado, além de esbofeteado diante do Sumo Sacerdote. As autoridades são arbitrárias, o Sinédrio e o Império mostram-se instituições decadentes, rejeitam o verdadeiro Messias.


A multidão é manobrada, Judas e as falsas testemunhas são compradas, os soldados são sádicos. Jesus sente o horror, a perfídia, a imundície do mal. Crueldade, selvageria, malvadez, atrocidade, desprezo, humilhação, animalidade constituem o “excesso de maldade humana” na paixão do Senhor. Jesus, porém, vence tudo isso com a oração, a entrega ao Pai, a força da Palavra, a serenidade e paz interior. Perdoa os algozes e acolhe o bom ladrão. Eis a escola, a “ciência da cruz”. Jesus vence o poder do mal com o poder do bem.


Terceiro: um excesso de injustiças. Jesus é inocente, passou fazendo o bem, nada fez para o privilegio próprio, elevou os humildes, perdoou os pecadores, promoveu os pobres e excluídos. Foi marcado para morrer porque revelou-se Filho de Deus, e tocou nas chagas e feridas das injustiças humanas. Sofreu oposição, rejeição, abandono e neste contesto de corrupção religiosa e política foi processado, julgado e executado na cruz como malfeitor, perigoso, maldito. Eis o “excesso de injustiça” de ontem que hoje também se repete.


Quarto: um excesso de amor: ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos. Jesus justo e santo carregou nossas culpas e restituiu-nos a inocência. Eis o amor louco, sem medidas, indescritível e incondicional de Deus. Eis o que é o amor aos inimigos, o máximo do amor, o puro amor, que se expressa na  doçura, mansidão, paciência, fineza, misericórdia de Jesus.


Quinto: um excesso de transcendência. Na verdade, a paixão de Jesus é uma revelação do amor trinitário para a salvação do mundo. O Pai envia o Filho e o Espírito Santo ajuda Jesus carregar a cruz (cf. Hb. 9,14). Foi na cruz que Jesus se entregou filialmente ao Pai e derramou o Espírito Santo. Deus sofre a dor humana porque ama o mundo e cada pessoa individualmente. Da cruz vem toda luz, toda graça, toda salvação. Os santos meditando diante do crucificado exclamam: “Isso é o amor. É assim que se ama”. Deixemo-nos amar pelo amor trinitário.

 

Dom Orlando Brandes
Arcebispo de Aparecida